domingo, 10 de junho de 2012

ALA EVANGÉLICA É UMA ZONA - Ex-presidiário revela abusos na chamada "Ala Evangélica"

Uma reportagem divulgada recentemente pelo programa "Comunidade", apresentado pelo jornalista Lucky Marlon, da TV Rondon (SBT), revelou um pouco mais do submundo da famosa "Ala dos Evangélicos", no Centro de Ressocializão de Cuiabá (CRC), a antiga Cadeia Pública do Carumbé, em Cuiabá. É para lá, em tese, que seriam levados os presos considerados com bom comportamento e com maiores chances de se recuperar de seus delitos e voltarem ao convívio social.

Em um depoimento revelador, um ex-presidiário, identificado apenas como "Benedito", por medida de segurança, descreve o horror que é estar preso no local.

Em abril deste ano, o Ministério Publico Estadual (MPE) desarticulou um sistema de extorsão, controlado por membros de igrejas evangélicas, dentro do CRC. 

“A ala não tem nada de evangélica. Só tem o nome de Igreja Evangélica Universal do Reino de Deus. Mas, não tem Deus, porque Deus tem amor, tem perdão...O local deveria mudar de nome. A pessoa entra como 155 [artigo do Código Penal que trata de furto] e sai como assaltante; entra como usuário e sai como traficante. Ela presencia o próprio dirigente fazendo esse tipo de coisa: cheirando (usando cocaína) e jogando baralho...”, disse Benedito, no seu relato. 

O ex-presidiário revelou que as irregularidades são gritantes e ferem as normas de qualquer cadeia, ainda mais em uma ala denominada “evangélica”. 

“Na ala evangélica, as pessoas assistem a filmes pornôs, filmes de tiroteio [faroeste]. Eu já cansei de dormir lá escutando rajada de tiros. Coisa que antes não acontecia; antes, se fazia oração e se dormia às nove horas”, afirmou. 

Ele revelou que o trânsito de garotas de programa no local é intenso e com a conivência dos dirigentes. “Na ala evangélica, também têm acesso a garotas de programas. Os 'pastores' de lá autorizam... Vamos reclamar pra quem? Tudo fica por baixo do pano. Tem homicida que dirige essa ala”. 

“Com certeza as pessoas que estão presas lá vão ver isso e sabem que é verdade. Mas eles não tem voz. Agora eu posso falar porque estou aqui fora, isso vai para o Ministério Público. Aqui fora eles [dirigente da ala evangélica] não podem fazer nada. Lá dentro eles mandam, porque juntam três, quatro em cima de um... batem na cara de preso. Aqui é fora é diferente”. 

Ele atenda que as mortes de ex-presidiáios podem estar ligadas aos maus tratos e humilhações ocorridos dentro do presídio. “As vezes você topa com um preso em mercado, e puxa o oitão (revólver 38) e mata. Aí vão falar esse aí matou tal por que disso e aquilo, mas não sabe a humilhação que ele passou dentro do presídio. Porque já somos humilhados por policia e ainda por preso, que cometeu a mesma coisa que a gente”, disse. 

“Eu já chorei demais lá dentro, não pela prisão, para pagar o crime que eu fiz, mas pelas humilhações que sofremos de pessoas que fizeram crimes piores do que eu”. 

Benedito disse que os presos possuem mais poder que os agentes carcerários. “O preso se brincar daqui a pouco põe o corpo de guarda pra correr de lá e eles que vão mandar lá dentro. Lá dentro nem carcereiro fala [manda], quem fala é preso. Lá não pode nem por a cara na grade que leva chute, ou apanha com pau, o dipirona e anador. As agressões são feitas por dirigentes da ala evangélica. Se não seguir as regras são expulsos para outras alas e lá sofremos, porque não pagamos o dízimo, e somos espancados. Se não paga o dízimo ficamos de joelho e apanha. Eles são os primeiros a espancar. Contam os crimes que cometemos. ‘E aí tarado não vão pagar o dízimo?”. 

“Os ‘pastores’ vão pra lá e começam a ser pastores rápido. Aqui fora eles levam anos para se formar. Lá é rapidinho, na verdade estão só usando o dinheiro que os bestas pagam para o dízimo. E mandam para as famílias deles aqui fora, que compram carro. Quando estão em liberdade cometem crimes novamente, e são presos. Eles não se recuperam”. 

Benedito acredita que o seu desabafo poderá trazer algum beneficio para os colegas que continuam no cárcere. "Espero que o que eu estou fazendo aqui tenha resultado, que tenha uma mudança. Eu tenho amigo lá dentro, que estão presos e sendo punidos duas vezes, uma pelos próprios presos. Espero que esses dirigentes sejam transferidos para outros presídios".

Esquema de extorsão  

O Ministério Publico Estadual (MPE) desarticulou um sistema de extorsão promovido por membros de igrejas evangélicas, dentro do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC). 

A operação foi em cumprimento a mandados de busca e apreensão, expedido pela 2ª Vara de Execução Penal da Capital.  A ação foi motivada por várias denúncias de presos e de parentes, sobre a cobrança de dízimo. 

Os denunciantes relatam que os presos que não contribuíam com as igrejas sofriam agressões, eram punidos com transferência para outras alas e até perdiam o direito de dormir em camas. 

O promotor aponta que as denúncias pesam contra três igrejas evangélicas: Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus e Deus é Amor. 

Ele informou que foram encontrados, aproximadamente, R$ 1,5 mil, com um representante da Igreja Universal. Por mês, a renda de cada igreja, dentro do presídio, é de R$ 15 mil. 

No material recolhido pelos investigadores estão boletos bancários com o nome da igreja, dinheiro, além de um extrato bancário em nome de um preso e o saldo de pouco mais de R$ 43 mil. 

O Centro de Ressocialização de Cuiabá tem capacidade para abrigar 392 reeducandos, mas possui cerca de 1,1 mil, atualmente. 


midianews

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